Um Sítio...Joaquim Vairinhos

Um Sítio...Joaquim Vairinhos
Poesia, Prosa e Música.

domingo, 26 de janeiro de 2020

Amantes Fantasmas

Ah
quando me dizes que não és amante
sorrio pensando: então o que serás ?

fugindo da enganadora semântica
relembro todos os passos que demos
para chegarmos aí
como tudo começou nas palavras sorridentes

nas flores virtuais viajantes
que passaram de messenger para messenger
da brincadeira entre palavras que trocamos

do nosso primeiro encontro
no sofá da tua sala
do nosso receoso primeiro beijo
pela incerteza
sobre uma química que poderia estar ausente

da ansiedade que nos tolhia os movimentos
da deselegância com que atabalhoadamente
nos livrámos de roupas desnecessárias
do nervosismo adolescente de corpos
receosos da velocidade do tempo
nos levava a cavalgar uma louca correria

como não ser amante de uma entrega sem par
do risco assumido nos encontros fugidios
a um marido a quem te tinhas contratualizado

como não ser amante se o sangue quente
corria aceleradamente se me vias na incertitude da frequência dos próximos encontros

és amante do ser amado
querido
desejado

és amante sentida
naquela esquina inesperada da vida
que te arranca do cinzento conformismo

sim és amante
na loucura do horizonte do novo 2020 !

Joaquim Vairinhos, in "Retalhos Poéticos do Quotidiano", a publicar 03/2020.
No silêncio

É no silêncio
que venero imagens guardadas
com saudades

erguem-se como muralhas
construídas de gestos
momentos
sentimentos protegidos
por defesas sensíveis
sempre com duas faces

uma bela
outra receosa

é no silêncio
que venero sons do mar
decrepitude de fogo brando
vento nas ramagens frescas da manhã e
ruídos de noite lunar

é no silêncio
que mergulho nas profundas
ondas do esquecimento
sem me encontrar

só espuma vogando
enternece meu olhar.

Joaquim Vairinhos, in "Grito só silêncios nas asas do Verbo", 2019.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

não consigo crer no natal
por mais querido que me cerque
nas miríades
de focos de luzes coloridas
perante as desgraças do mundo
esquecidas

Joaquim Vairinhos
Pelos caminhos da literatura
quanto sofrimento
quanta perplexidade
quanta loucura
da poesia à prosa
de Borges a Saramago
de Tolstoi a Proust
de Joyce a Dostoiévski
de e.e. Cummings a Dylan
de Florbela  a Pessoa
de Camões a Sá Carneiro
de... a ...Drummond

Tentativas continuadas
de superação em superação
através do espírito
sua representação
sua esperança
sua memória
em viagens da mente humana.

Pela literatura dobra-se o cabo
das tormentas.

Viaja-se em atividade iniciática
na abordagem da escrita:
vai-se pela angústia
na busca de caminhos novos
para expressar sentidos
superar fora dos limites
a bendita normalidade
num trabalho de confronto
com sua própria psique.

Procura-se esse filão
da felicidade na normalidade da
anti-felicidade.

Encontra-s em pequenos flashes :
a serenidade a magia a solidão
o prazer a memória a paixão.

Joaquim Vairinhos, in "Só & Cia "
Arte de Cláudio César(artista amigo do RJ/Fortaleza) falecido há pouco.
Acaso sabes o que é solidariedade na doença
quando ficas só questionando tua voz
em silêncios da consciência atormentada
com pertinentes presenças que te incomodam
num estado de fluidez latente que te vai dominando,

acaso sabes que a fronteira é tão diminuta
entre o estar o ficar o ser que não estar não ficar não ser se confundem, se misturam numa mescla
estranha de paz confortadora,

acaso sabes que a partilha na infelicidade da desarmonia física transporta o ser humano
para o sentimento náufrago do afogamento,

acaso sabes que o ombro solidário não é do amigo,
sim do outro que navega no mesmo estado de desarmonia vogando à deriva no desconforto,

acaso sabes que a vida é só tua, construída
no dia que nasceste,
prosseguida dia a dia, minuto a minuto, ano a ano,
nos sentimentos que bebeste, nos ódios que suaste, nos afectos que investiste,

acaso sabes que tudo termina em vaga libertadora
desconhecida no calendário do teu tempo
sem pregões anunciadores do momento da partida,

acaso sabes que do nada vieste e para o nada vais
com ou sem sobressaltos deixando uns rastos que se esfumam no movimento sempre em frente,

acaso sabes que na hora da partida a tua comunidade por herança ancestral vai perdoar e limpar os desvairos que encontraste ao longo da vida

acaso sabes que nada sabemos, nem donde viemos, nem para onde vamos...nada !

Joaquim Vairinhos, 26/11/17.
montanhas de espuma cavalgam-se
sobre si próprias ininterruptamente
até desfalecerem nos braços morenos
dos milhões de grãos de areia
que as recebem humildemente

tudo muda no levante
que os transforma em milhares de migrantes sem costa certa

são como cidadãos de outro mundo
levados pelas mãos de elites indigentes

bem clamam jovens despertos
do engonhar dessas gentes
que fazem do mundo coisa sua

até quando
os povos quais ondas humanas
não os empurram para fora de suas cadeiras mundanas ?


Joaquim Vairinhos, in "Poemas Vadios", a publicar em  2020.

quinta-feira, 20 de junho de 2019

Dorso espalmado em quentes panos corais
cor envolvente. viajar em tapete nocturno
de um quotidiano descanso.
olhos pregados no firme céu
regado por luar gordo brilhante
de sol de agosto onde inverno adormeceu

Sonhar naqueles olhos bem abertos
mãos nas mãos combatendo desertos urbanos
que empurram para caminhos ausentes
onde cavalgam horas infindáveis de esperas
sem flores sem urtigas sem espinhos desumanos

Reinam estresses vincando rugas em rostos de meninos

Eis num súbito o negrume rasgado da noite
diante do luar faiscando para o lado do mar
laivos de raios escaldantes. original estrela
cadente de riscos persistentes em manchas
de fumos brancos numa estranha sequência

Abrem-se lunares caminhos da via láctea

Natureza em espectáculo universal
como vitrine do espaço infinito
cerca. invade. une. emociona o deus que nos pertence

Olhos viram-se espelhos. eram humanos
os reflexos daquelas fugazes imagens

Eram amantes buscando eterna espiritualidade. talvez.


Joaquim Vairinhos