Um Sítio...Joaquim Vairinhos

Um Sítio...Joaquim Vairinhos
Poesia, Prosa e Música.

sábado, 9 de junho de 2018




A CARTA DA IRENE
Decorria o ano de 1996. Nessa data desempenhava o cargo de autarca no Município de Loulé. Certo dia recebo uma missiva a pedir auxílio. Tantas que recebi. Irene era a autora desta carta enviada ao presidente da Câmara.
- “Snr. Presidente, há muito que me tinha ocorrido escrever-lhe esta carta, mas ao mesmo tempo vinha-me aquela intuição de que nada adiantaria. Mas hoje decidi escrever-lhe e o motivo pelo qual o estou fazendo, deve-se ao facto de eu e os meus irmãos, pais e vizinhos, residirmos nos Matos da Picota, vivermos numa angústia total, por não termos electricidade em casa. Snr. Presidente, a palavra angústia é insuficiente para descrever o significado da falta de electricidade a esta altura do século; para toda a gente mas principalmente para uma jovem estudante que estuda para mais tarde optar por um futuro melhor.”
- “ Mas como ?” – prossegue a carta da jovem estudante- “se lhe falta o essencial que é a luz ?... foi difícil eu fazer o 12º ano, estudando à luz da vela, mas a minha teimosia foi maior e felizmente consegui terminar o ensino secundário , mas em consequência disso hoje tenho a vista muito cansada, na qual eu não consigo ler por muito tempo sem usar óculos. Pois também era algo de esperar porque afinal estudar dos seis aos dezoito à luz de velas não é brincadeira nenhuma. E não queria que esta situação voltasse a acontecer com as minhas duas irmãs que também estão a estudar, e com outras crianças minhas vizinhas que vivem a mesma situação.
- Mais adiante diz Irene na sua carta – “ Imagine ver o seu filho a estudar por uma escassa luz de vela , levantando-se de manhã em plena escuridão para ir à escola . Pois afinal muita gente diz e é quase verdade – QUEM NÃO TEM LUZ NÃO TEM NADA. “
- Como não dar atenção á justiça deste pedido ?
- Accionados os serviços, foi no dia 15 de Outubro de 1996 pelas vinte horas inaugurada a instalação de energia eléctrica no lugar dos Matos da Picota, na presença dos vinte e cinco moradores. Foi Irene que carregou no botão do sistema.
- Nunca soube Irene que dos meus três até aos 16 anos estudei, brinquei, comi e dormi com o velho candeeiro a petróleo que dava luz à minha modesta casa onde vivi com minha mãe e minha anciã bisavó
.
Joaquim vairinhos, in “Confissões”.
Foto da Inauguração com Leitura Pública da Carta.


Nenhum comentário:

Postar um comentário